Friday, October 17, 2008

Fábula sobre o fim


O fim lambuzou os olhos das horas com o suor das viagens. As horas então verteram algum desconforto, mas logo se danaram a rir. O fim contou todas as horas e nelas já havia sinais do tempo. O tempo, eu vi, vinha acocorado nos ombros de um baobá. Baobás - mas isto é segredo - caminham sempre que os tambôs dos povos negros ecoam no Pátio de São Pedro. O fim, cheirando o tempo, a tempo escreveu nas horas um breve poema tomando emprestadas as linhas das mãos de um poeta feliz. A poesia oriunda do fim deu braços ao tempo e, enraizando-se com ele no velho baobá, diluiu-se na terra. Assim surgiu a primavera. Assim - acredite - a pétala desafiou as gentes e as gentes - acarinhando-se e cortando-se em flor - desafiaram o capital.

O fim sorriu e soube, pela primeira vez, que por mais importante que fosse, jamais existiria fatalmente. Que era cria da história, um ponto fronteiriço, mais uma travessura do tempo. Que depois do fim havia um depois, e ele não era fim, mas recomeço. O fim, agora lambuzado de seiva de baobá e de gentes, descansou tranquilo e assistiu pacífico ao modo como um moço deu ao filho de Xangô a lua de presente. O fim julgou aquilo tudo uma boniteza. O baobá que lhe sombreava o descanso, riu-se acompanhado pelas horas e cantou com elas uma ciranda. A primavera, neste instante, deitou-se no colo da tarde e viu livre o poeta que seguia. O poeta ia. Namorava a lua.