Tuesday, April 29, 2008

Crônica sobre a distância


Desdobrado o espaço, faz-se a distância. Não importam metros, quilômetros. É saudade que se conta nas entrelinhas. Há longevidades não competentes à física. Há tardes, por exemplo, em que o espaço, terno, toma o tempo pela mão e passeia com ele pela Várzea, namorando displicentemente. Nada há o que marque seus passos. Seus calcanhares não percorrem quarteirões, mas orvalho, seus rastros não deixam pegadas, mas réstia de sol.

É como se as margens do Capibaribe convidassem um à outra para dançar. A Rua da Aurora teria entre os lábios a Rua do Sol. A Ponte Velha pularia amarelinha com a Giratória. Oxum, rindo-se toda, estenderia o corpo sobre a cidade modificada pelo rio. Cada rua se trocaria em esquinas com todas as outras. Não haveria paralelas, somente encontros. A da União cumprimentaria a do Sossego, a das Ninfas emprestaria asas a Agamenon, que deixaria de ser avenida e perderia tal nome, chamar-se-ia Nara, palavra com mais jeito de pétala.

Depois de tanto, nada se concebe alheio à falta. Há em cada pedra portuguesa a vontade de que ali voltem a tocar as demais. Há nas ruas certa ânsia para que nelas corram todas as outras. Do que a Rua do Hospício vive, senão de uma louca vontade de que por si caminhe a Rua da Saudade? No asfalto quente das manhãs poluídas da metrópole resiste esse sentimento como num poema. Daí não haver reforma da Conde da Boa Vista que chegue. Empresas de ônibus, construtoras, automóveis e atacados desconhecem delicadezas só tangíveis por bailarinos e operários.

A distância persiste à dobradura do espaço. Isso, bem do jeito como Mariana brinca com seus origâmis. É do sabor de beijo de primeiro namorado em noitinha de terça-feira. Faz escalas de mapas cartográficos entre o planalto central e a praça do Derby parecerem linhas astrais e influências zodiacais de ascendentes. Faz passagem de avião sugerir estrofe de Pessoa e tudo em nós uma Lisboa revisitada. A distância é tensão entre. Entre o Alto do Céu, na periferia de Casa Amarela, e os anéis de Saturno, a despeito de uma possível insensatez, não conheço distância. Mas entre a península itálica e o Marco Zero há muito mais do que um oceano. Há uma paixão de menina por um nariz vermelho de palhaço. E saudade, muita saudade.

Apenas disso, enciúma-se o tempo. Porque sabe ele que verdadeiras distâncias, não pode curar. Cultivamo-nas de modo que vivam elas conosco. Quem nunca se pensou na Rua da Aurora quando trocava pés pelas calçadas da Rua do Sol? A seu modo, num mesmo espaço vivem tantas ruas, tantas cidades, tantas gentes quanto uma saudade possa comportar. Mas isso apenas até o instante em que as margens do Capibaribe convidem uma à outra para dançar e em que avenida possa levar título de pétala. É segredo, mas suspiram as esquinas que fronteiras se desfazem em abril.

Para Nara Vieira, por nossa distância.