Monday, January 07, 2008

Crônica sobre a janela


Eram sempre o cronista e a janela. Inevitavelmente, o cronista e a janela. Sentava-se ele a escrever e lá estava ela, aberta. Abria-se ela e cá estava ele, escrevendo. Por vezes havia a crônica. Por vezes havia a tarde. Mas nada disso lhes era fundamental. Bastavam-se, cronista e janela, no mais era arte.

Quando resolvia escrever, sabia o cronista o que fazer: sentava-se diante da janela, descalçava os pés, insistia com uma canção de Noel Rosa, curvava-se sutilmente sobre o braço direito, sentia uma íntima saudade do homem que amara e abria-se calmamente em janela. Aproveitava a tarde e dela retirava aquilo que o papel demandava para a criação da palavra.

Quando resolvia entardecer, sabia a janela o que fazer: coloria os olhos do cronista, azulava-se de início, cor de céu de Candeias, avermelhava-se em despedida, tons de fragilidade crepuscular, sentia uma íntima saudade do homem que amara e escrevia-se calmamente em cronista. Aproveitava a crônica e dela retirava aquilo que o tempo requeria para desafiar os relógios com poemas.

Contrariando argumentos de causalidade, qualquer que seja ela, a tarde nunca entrou pela janela, a crônica nunca saiu das mãos do cronista. Não havia cronista sem janela. Inexista janela sem cronista. Concebiam-se um ao outro. Tanto que boniteza mesmo era perceber-se verbo um do outro. Naquilo sim em que um sujeito só age e transforma o mundo a partir da realização do outro e vice e versa, coisa que há quem chame de dialética. O cronista enjanelava-se e, apenas assim, acontecia no mundo. A janela encronistava-se e, justamente por isso, era o mundo.

Daí ser impossível tratar a crônica e a tarde com neutralidade. Neutralidade inclusive, qualquer que seja ela, é algo completamente desprovido de poesia. A tarde não entraria pela janela porque o próprio cronista conjurava tarde em palavras. A crônica não sairia das mãos do cronista porque lá fora ela – a crônica – já era construída, embora sem pontuação, pelos desenhos das nuvens no azul. Crônicas e tardes também não se afastam. Entre as linhas da crônica a tarde caminha, entre os caminhos da tarde a crônica se completa. Que seja dialética. Há, por isso, quem apelide de ternura.

Para Luciano Oliveira, porque as semanas são cada vez mais tempo para certas coisas e menos para outras.