Tuesday, May 08, 2007

Conto sobre a moça que dava nomes


Quando era moça, muito moça, descobriu o primeiro amor e todas as sua contradições. De um modo que se sentia nele, no amor primeiro, como um faquir indiano em uma cama de espinhos de flor, forrada – a cama – com colchas de retalhos de pétalas de metal. Às vezes, porque desde menina dava nome a todas as coisas, chamava o amor de “amor”. Mas em boa parte dos tempos, que lhes eram contados em demoras, conhecia o amor pelo nome de dor.

Sendo moça, muito moça, e dada às palavras, julgou de pronto que seu primeiro amor era impossível. Por isso criou rapidamente intimidade com a dor, a quem ela mesma já havia dado título. Bulia com a dor e com o amor entre os dedos, conhecendo suas cores, nuances, realces e reflexos. Foi então que resolveu transformar as nuvens e o céu que antes manejava como poesia alegre em versos tristes. Descortinava as tristezas todas, também lhe eram íntimas as tristezas, e as achava muito bonitas.

Porque era moça, muito moça, dava nome a tudo o que produzia, mas desse tudo guardava alguns segredos. Sim, porque já que sentir saudade não mais lhe bastava, visto que era saudosa de tudo, inclusive das dores e das tristezas, passou a sentir ciúmes. Mas estes ela escondia dentro das cartinhas na primeira gaveta do armário, da melhor amiga e das entrelinhas dos versinhos que escrevia nas aulas de matemática. Além do mais, os ciúmes lhe traziam mais dores para bulir com os dedos e fazer poesia. E aprendeu de tal maneira a fazer poesia que punha as estrofes umas do lado das outras para que elas – entre elas – não ficassem enciumadas. Ah, claro. Porque as dores lhe geravam versos, mas os versos não haveriam de sofrer: nada de dor sentida pelas palavras às quais conferia a todas as coisas. Dor, saudade, ciúme, sentia ela mesma. No máximo, sentiria também o moço do primeiro amor. Mas apenas no máximo. Porque ele mesmo interessava pouco, senão como desculpa para a escrita primeira.

Apenas porque era moça, muito moça, e dava nome a tudo, atribuindo-lhe infindáveis, inesquecíveis, insuperáveis e inexplicáveis sentimentos – sim, era um pouco exagerada! – era perdidamente afetuosa com tudo e com tudo estabelecia – imersa em profundezas e extremidades – cumplicidades. Não entendia as despedidas. Sentia todas elas fortemente. Não desejava a morte, chorava de saudade do sol quando ele se punha, ficava ansiosamente esperando o murchar das rosas no vaso verde de sua mãe, com ar blasé, era outra depois de cada pequeno poema que lia ou escrevia, apenas para se abandonar no tempo e poder, deixando-se, fazer falta a si mesma.

Visto que era moça, muito moça, dando nome e intensidade a tudo o que criava, não nomeava, mas intensificava, aquilo mesmo que fazia. Eram tão seus aqueles sentimentos – que eram os mais inabaláveis – e tão suas aquelas palavras – que eram as mais doloridas – e tão seu tudo aquilo que lhe fazia bulir amor e dor entre os dedos, quem nem lhe passava pela cabeça lhes dar nome. Sua mãe chamava de drama, coisa de moça muito moça. Mas não, não era drama assim. Para ela, a moça, muito moça, o processo de criar tudo conhecendo as dores, os amores, os ciúmes e as saudades, com detalhes, parecia fascinante. E sendo ela desse jeito, moça, muito moça, restava-lhe sofrer por desatino o seu primeiro amor inteiro, até o fim, para que chegasse o segundo amor, e viesse então o terceiro, o quarto talvez, e para que ela voltasse a fazer, entre os dedos, mais poesia de palavras – doloridas – que não se deixam doer.


5 Comments:

At 5:15 PM, Blogger Beto Efrem said...

Há um vazio... uma ausência... uma desatenção...

 
At 2:07 PM, Anonymous Anonymous said...

tem desatenção não Betito!!! saudade! bjo

 
At 9:48 AM, Blogger Unknown said...

Pois então... os baobás e as palavras....

 
At 12:30 PM, Blogger Natacha Orestes said...

Por alguns instantes, mas só alguns mesmo, imaginei que você me conhecia e escrevia sobre mim.

Mas só por alguns instantes.

Beijo!

www.ensaiando.blog.com

 
At 5:22 PM, Blogger Rebeca Oliveira Duarte said...

Bem, se fôssemos amigos de infância, diria que eu...ah, mesmo uma moça não mais tão moça, ainda dou nomes, sim.

 

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