Monday, January 22, 2007

Crônica sobre a floresta

Há uma floresta de baobás no mais profundo desta alma. É um bosque de árvores gigantes que demandam bastante espaço entre umas e outras. São árvores cujas raízes de tão longas dançam ciranda com os meninos e as meninas que habitam a floresta. Os meninos e as meninas são domadores do tempo. Arremessam-no sobre as copas das árvores e ele despenca furtivo com o peso da gravidade dos corações.

O solo sob as árvores é úmido e junto com os cogumelos nascem amores de juventude. Os meninos e as meninas pegam os cogumelos e os amores de juventude e desfazem o tempo, redesenham as fronteiras do que é matéria e do que é sonho. Por vezes, quando a paixão corre tresloucada entre os troncos dos baobás, alguns meninos e algumas meninas tranformam tudo o que é matéria em sonho, nada mais existindo que não seja menino, menina, cogumelo, amor de juventude, tempo, paixão e sonho. Ah! Permanecem também os baobás. Estes fincam suas raízes no peito de cada menino, de cada menina, até que eles e elas, cansados de tanto peso, remontam o chão.

Quando os meninos e as meninas não vêem, o tempo se fecha dentro dos troncos das velhas árvores. Aí se faz em passado, presente e futuro. Mas os meninos e as meninas, logo que percebem a ousadia do tempo, fazem-lhe cócegas, puxam a linha do horizonte, e se abraçam ao presente. O passado vira identidade, o futuro, os meninos e as meninas conhecem, ganha ares de esperança. Assim que enjoam do presente, as meninas e os meninos comem as flores dos baobás. Digerem tudo muito calmamente. Depois limpam os dentes com palitos de agradecimento.

Entre os baobás há fios invisíveis tecidos com o vermelho da história. Nesses fios os meninos e as meninas não bolem, a não ser quando chega a hora de partir. Neste momento os meninos e as meninas se despedem das velhas árvores e seguem com o tempo. Mas nunca vão todos. Sempre nascem novos meninos e meninas na floresta e sempre estão eles e elas a pular entre as raízes dos baobás. Os meninos e as meninas que ficam recebem dos baobás um remedinho contra a ausência do tempo ou o seu excessivo prolongamento que as árvores chamam de saudade. Até que esses meninos e essas meninas também se deixem ir pelos fios. Todos e todas um dia o fazem. Os baobás não, estes sustentam tudo – a não ser quando se sustentam nos corações dos meninos e das meninas – e em seu sustento há uma palavra, um gesto, um compartilhar que os meninos e as meninas têm a mania de amar: a poesia.

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